
"Uma coisa é certa: não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem que ser o lento trabalho das gerações.
Até que, lá um dia, acontece a grande vitória.
Ainda digo mais: já estava escrito há seis mil anos, que em um certo domingo, de 1976, teríamos um empate.
Sim, quarenta dias antes do Paraíso estava decidida a batalha entre o Fluminense e o Corinthians.
Ninguém sabia, ninguém desconfiava.
O jogo começou na véspera, quando a Fiel explodiu na cidade.
Durante toda a madrugada, os fanáticos do timão faziam uma festa no Leme, em Copacabana, Leblon, Ipanema.
E as bandeiras do Corinthians ventavam em procela.
Ali, chegavam os corintianos, aos borbotões.
Ônibus, aviação, carros particulares, táxis, a pé, a bicicleta.
A coisa era terrível. Nunca uma torcida invadiu outro estado, com tamanha euforia.
Um turista que, por aqui passasse, havia de anotar no seu caderninho: "O Rio é uma cidade ocupada".
Os corintianos passavam a toda hora e em toda parte.
Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo.
Pois ganha.
Na véspera da partida, a Fiel estava fazendo força em favor do seu time.
Durmo tarde e tive ocasião de testemunhar a vigília da Fiel.
Um amigo me perguntou: "E se o Corinthians perder?"
O Fluminense era mais time.
Portanto, estavam certos, e maravilhosamente certos os corintianos, quando faziam um prévio carnaval.
Esse carnaval não parou.
De manhã, acordei num clima paulista.
Nas ruas, as pessoas não entendiam e até se assustavam.
Expliquei tudo a uma senhora, gorda e patusca.
Expliquei-lhe que o Tricolor era no final do Brasileiro, o único carioca.
Não cabe aqui falar em técnico.
O que influi e decidiu o jogo foi a torcida.
A torcida empurrou o time para o empate.
A torcida não parou de incitar.
Vocês percebem?
Houve um momento em que me senti estrangeiro na doce terra carioca".
NELSON RODRIGUES publicou este texto no GLOBO em 6/12/76, dia seguinte ao Fluminense x Corinthians.