sábado, dezembro 23, 2006

Invasão do Maracanã por Nelson Rodrigues


"Uma coisa é certa: não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem que ser o lento trabalho das gerações.

Até que, lá um dia, acontece a grande vitória.

Ainda digo mais: já estava escrito há seis mil anos, que em um certo domingo, de 1976, teríamos um empate.

Sim, quarenta dias antes do Paraíso estava decidida a batalha entre o Fluminense e o Corinthians.

Ninguém sabia, ninguém desconfiava.

O jogo começou na véspera, quando a Fiel explodiu na cidade.

Durante toda a madrugada, os fanáticos do timão faziam uma festa no Leme, em Copacabana, Leblon, Ipanema.

E as bandeiras do Corinthians ventavam em procela.

Ali, chegavam os corintianos, aos borbotões.

Ônibus, aviação, carros particulares, táxis, a pé, a bicicleta.

A coisa era terrível. Nunca uma torcida invadiu outro estado, com tamanha euforia.

Um turista que, por aqui passasse, havia de anotar no seu caderninho: "O Rio é uma cidade ocupada".

Os corintianos passavam a toda hora e em toda parte.

Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo.

Pois ganha.

Na véspera da partida, a Fiel estava fazendo força em favor do seu time.

Durmo tarde e tive ocasião de testemunhar a vigília da Fiel.

Um amigo me perguntou: "E se o Corinthians perder?"

O Fluminense era mais time.


Portanto, estavam certos, e maravilhosamente certos os corintianos, quando faziam um prévio carnaval.

Esse carnaval não parou.

De manhã, acordei num clima paulista.

Nas ruas, as pessoas não entendiam e até se assustavam.

Expliquei tudo a uma senhora, gorda e patusca.

Expliquei-lhe que o Tricolor era no final do Brasileiro, o único carioca.

Não cabe aqui falar em técnico.

O que influi e decidiu o jogo foi a torcida.


A torcida empurrou o time para o empate.

A torcida não parou de incitar.

Vocês percebem?

Houve um momento em que me senti estrangeiro na doce terra carioca".

NELSON RODRIGUES publicou este texto no GLOBO em 6/12/76, dia seguinte ao Fluminense x Corinthians.