Domingo último pela manhã, passando pela rua Javari vi, na frente do estádio do Juventus, um pequeno movimento que indicava jogo.
Entrei pensando que se tratasse de um jogo do Juventus.
Não era.
Iam jogar Corinthians e Noroeste, com seus times que em outros tempos eram chamados de juvenis ou coisa parecida.
Não tenho idéia de por que essas equipes iam jogar no campo do Juventus, e isso também não importa.
Os times entraram em campo, sob um sol terrível, e pelos aplausos e comentários pude reparar nos corintianos presentes.
A rua Javari é um estádio em que não há anônimos, não há multidão informe.
Você pode observar as reações de cada torcedor.
É como no cinema ou no teatro. Há de fato, nas arquibancadas da rua Javari, qualquer coisa do clima dos enormes cinemas de bairro, de antigas matinês de domingo, alguma coisa perdida para sempre, muito difícil de definir.
Bom, quanto ao jogo pouco a dizer.
Os garotos pareciam tentar desesperadamente jogar como os adultos no que estes têm de pior.
Poucas jogadas individuais, marcação forte, carrinhos e chutões.
Claro que havia alguns garotos em que se podia sentir a habilidade, mas desapareciam sob a marcação implacável.
Pude então me voltar para os espectadores, que talvez fossem mais interessantes que o jogo.
Chamou imediatamente minha atenção uma dupla: um menino de uns oito anos e um senhor ao lado, pela idade, o avô.
O velho estava recostado indolentemente olhando o jogo, não com desinteresse mas com certo, digamos, distanciamento.
Como se olhasse o jogo do alto da sua idade.
O menino não.
Torcia, como se estivesse no Pacaembu, num grande jogo.
E de repente o Corinthians fez um gol.
O velho apenas se mexeu, mas o garoto vibrou, pulando e gritando.
Me ocorreu que, para aquele garoto, o Dualib, a Polícia Federal, a MSI, os trambiques e negociatas não significavam nada.
Diante dele não estava o clube comentado nas reportagens policiais, com dirigentes estampados nos noticiários de tv, tendo de explicar o inexplicável.
Diante do garoto, ali no campo, estava o Corinthians.
Tenho certeza que nem lhe passava pela cabeça que aquele era apenas o time de base, o juvenil.
Que aquele jogo talvez não tivesse nenhuma importância na trajetória desse clube cheio de tradição.
O que ele via era a camisa branca, os calções pretos.
Era o Corinthians mitológico, eterno, que passa de uma geração para outra.
Quando o jovem jogador ainda desconhecido fez o seu gol o garoto vibrou como se fosse do Rivellino, do Sócrates, do Tevez.
E eu também compreendi que mesmo num pacato domingo de manhã, mesmo com o time juvenil, ali estava o Corinthians.
O menino continuava sem tirar os olhos do campo.
O velho continuava olhando o jogo de longe.
Pode ser que ele, sim, estivesse pensando no Dualib e no Kia, e no que aconteceu com seu clube.
Mas pode ser também que,pelo menos por alguns momentos, olhando os jovens jogadores no campo,ele tenha pensado em Cláudio, Luisinho, Baltazar, Carbone e Mário, que talvez tenha visto mais de cinqüenta anos atrás na mesma rua Javari.
Sempre o Corinthians, na memória de uns, no imaginário de outros, mais forte que os fatos.
O velho chamou o vendedor que vestia um garboso jaleco grená com um J bordado no peito.
Dividiram o amendoim torrado, o garoto sem conseguir desviar os olhos da partida.
Vi que o Corinthians estava salvo.
Por Ugo Giorgetti
*Ugo Giorgetti escreve no Estadão aos domingos, é diretor de cinema (autor de "Boleiros", por exemplo) e...palmeirense.