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João Saldanha foi, para mim, o maior nome do futebol brasileiro de todos os tempos e o continua sendo, 18 anos depois de sua morte. Curioso que o meu grande ídolo no esporte não tenha sido um jogador, mas um técnico.
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Mas João encarnava, dentro e fora dos estádios, o espírito brasileiro que mora nas profundezas de nossa identidade coletiva. Era um homem, não um mero profissional. E deixava transbordar sua personalidade nas entrevistas e no caráter dos próprios times que dirigia.
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Foi o mais polêmico e, ao mesmo tempo, o mais querido dos treinadores que comandaram a Seleção Brasileira. Sua biografia Uma Vida em Jogo (Cia Editora Nacional, 550 páginas, R$ 55), escrita por André Iki Siqueira, é uma das coisas mais divertidas e sérias que li nos últimos anos.
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Eu recomendo, sobretudo, para pessoas que não gostam de futebol. Leiam comentário do jornal Zero Hora sobre o livro [clicando aqui]. No amor de João Saldanha pelo Botafogo está o segredo da maior e mais irracional das paixões. Impossível não se apaixonar também pelo futebol, depois de mergulhar na vida deste que não foi apenas um treinador durão, mas também jornalista esportivo, correspondente de guerra na Europa, analista de escola de samba e comunista notório - cortado, pelo governo militar, do comando da Seleção Canarinho pouco antes do embarque para a Copa do México, em 70.
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Algumas passagens de Saldanha, retiradas de algumas de suas deliciosas entrevistas:
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"Eu partia do princípio que o futebol brasileiro não tem interesse em agredir ninguém. Nós somos capazes de fazer uma partida de futebol sem um pontapé, sem uma deslealdade. Mas, em 1970, o futebol europeu estava numa fase de grande violência, particularmente nos casos de Alemanha, Escócia e Itália. E eu disse isso a eles. Eu os adverti que a Copa não terminaria se nosso time fosse agredido. Nós não daríamos a primeira, mas amassaríamos a Taça se eles começassem a bater"
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"Não há mal nenhum que o futebol faça parte da política. A política é a vida. O jogador de futebol, o dirigente de futebol, tem todo o direito de entrar na vida política e partidária. Porque política todo mundo faz"
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"Certo dia, eu entrando no Maracanã, um colega de profissão me perguntou se eu estava indo ver o jogo. Respondi: ' Não, vim visitar o Museu do Índio'. Outro, quando eu estava dentro do campo, perguntou: ' Gostou da grama?'. E eu: ' Espera aí, meu chapa, ainda não provei'"
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"Critiquei o Telê por achar sua declaração infeliz. Dizer que o povo brasileiro deixa de comer para ir ao futebol nãoé verdade. Achei aquilo injusto e me parecia, em última análise, que se colocava o povo como alienado dos problemas nacionais, políticos e econômicos"
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Saldanha morreu na Itália, com a máquina de escrever no colo, quando cobria a Copa do Mundo de 1990.
Por Bruno Ribeiro do blog "Pátria Futebol Clube"